2010/12/27

Letras: Public Assistance (Agnostic Front)

O primeiro fato que me chamou a atenção logo depois que conheci a banda Agnostic Front, há muitos anos, foi a arte de seu primeiro álbum de estúdio, Victim In Pain:



A postura skinhead, identificada pela própria banda, somada a fotografia mostrando uma execução em um campo de concentração, gerou controvérsias entre os punks da cidade de São Francisco, Califórnia. Escritores do zine MRR, que circulava na cidade naquela época, começaram notar a presença de neonazistas gerando problemas em inúmeros shows na costa Oeste dos Estados Unidos. O fato de que o vocalista do grupo, Roger Miret, era cubano, prevenia que os membros do grupo fossem taxados de white powers, mas não de conservativos, de direita e nacionalistas. Tal controvérsia beneficiou a banda em termos de popularidade e vendagem do álbum e ajudou que o grupo gravasse seu segundo álbum de estúdio, Cause For Alarm. Este novo trabalho do grupo mostrou ao seus fãs o rumo, no que diz respeito a seu gênero musical, que a banda ia tomar e trás como sua 12a faixa a música Public Assistance, assunto principal dessa publicação. A fama fez com que o grupo fosse convidado para participar do programa no formato talk-show The Phil Donahue Show, cujo apresentador se chama Phil Donahue:



Na entrevista, um garoto que mente ter 19 anos, acusa o jornalista Peter Blauner, de o ajudar com bebidas e jantares em troca de informações sobre os membros da Lower East Side Crew, grupo do qual os membros da banda fazem parte até hoje. Em seguida, o apresentador do programa lê a letra da música para o público presente e a audiência da rede de televisão. Vinnie Stigma, guitarrista do grupo, responde para Phil Donahue que a banda se propõe a escrever músicas sobre a inquietação social e que a letra de Public Assistance fala por si só. O vídeo acima foi editado antes de ser publicado no YouTube mas dá para se notar a presença de Jimmy Gestapo, vocalista da banda Murphy's Law. Harley Flanagan, na época o baixista da banda Cro-Mags, aparece na sequência e dá sua própria interpretação de trechos da letra. O próximo a deixar sua contribuição é Ray Cappo, vocalista do Youth Of Today, que descreve exatamente como era a cena de Nova Iorque: pessoas com pensamentos opostos, usuários de drogas pesadas e straight edges, convivendo em um mesmo lugar, promovendo os shows e lançando os álbuns de estúdio das bandas juntos. Cappo ainda comenta e reclama da invasão de grandes gravadores e toda o comércio que começou a ocorrer durante os shows.

Esse vídeo realmente é um prato cheio para a história do movimento punk e do gênero musical hardcore, principalmente para os que se identificam mais com as bandas mais pesadas da costa Leste dos Estados Unidos. Pode-se notar a inocência de cada membro da banda que aparece no vídeo ao comentar e ao responder uma pergunta do apresentador. Dessa mesma inocência não compartilham o jornalista Peter Blauner e Phil Donahue. Por qual motivo várias bandas, que faziam parte de uma cena que estava crescendo em progressão geomética, seriam chamadas para comentar sobre uma letra de música que criticava, simultaneamente, o governo estadunidense e aqueles que apenas viviam sustentados por um sistema político?

Da mesma maneira que o apresentador nos condicionou a estigmatizar os jovens garotos, Roger Miret generalizou as pessoas que recebem ajuda financeira do governo. Não são todas as pessoas, nos Estados Unidos, aqui no Brasil ou em qualquer país do mundo que oferece esse auxílio, que abusam e usam o dinheiro para comprar cervejas ou drogas. Não são todas as mulheres que querem fazer aborto simplesmente por abrirem as pernas para seus parceiros e também não são todas as pessoas culpadas pelas balas perdidas que as atingem. Traduzi a letra da música com muito cuidado para poder fazer uma interpretação o mais imparcial possível e permitir que todos faça o mesmo:

Você passa a sua vida vivendo de previdência social ou de esmolas. / Você trás mais crianças ao mundo apenas para conseguir mais cheques. / Dessa maneira você pode comprar mais drogas, conseguir mais vales-refeição e ficar bêbado.

O Tio Sam paga metade dos seus gastos, por isso você pode viver de graça. / Tenho uma família, contas para pagar e ninguém me dá dinheiro / Você não precisa estudar, basta conseguir a ajuda financeira do governo e conseguir dinheiro / Quando você fica doente por causa de alguns tiros, o auxílio-doença paga os remédios e quando Maria engravida, ela consegue aborto gratuito.

São as minorias que choram porque a vida é dura / Na televisão eles aparecem com suas correntes douradas alegando não ter o suficiente / Sugiro que eles limpem os esgotos e se eles não gostarem, para o inferno e sem o auxílio do governo.

No começo do vídeo a seguir, o vocalista da banda faz questão de explicar que a música não trata do racismo, mas dos pais que recebem o auxílio e não o usam para criar e educar seus filhos, e ao invés disso, compram drogas e deixam seus filhos morrerem. No final de seu breve discursso, ele dá entender que o auxílio seria válido caso as pessoas usassem o dinheiro com boas intenções.



A minha conclusão é que, por hora, as estrofes e os versos permitem que qualquer pessoa possa tomar para si uma frase e a coloque no contexto que quiser, para acusar o grupo disso ou daquilo. Muitos zines do início dos anos 80 publicaram entrevistas com o próprio Roger Miret (tentando) esclarecer as diferentes interpretações que apareceram naquela época e que surgem nos dias atuais. Estou trabalhando em cima da tradução de uma entrevista com Steve Martin, ex-segundo guitarrista do grupo, que rebate acusações de Jello Biafra, na época compositor e vocalista da banda de São Francisco, Dead Kennedys para publicar em breve.

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